11 maio 2006
Retrato da Condição Humana...
Resolvi transcrever os escritos de meu mestre, JAIRO SANGUINÉ - o cara que me encaminhou na arte das "palavras" jornalísticas, porque considero que essa uma realidade que não se pode mais deixar de ver...
RETRATO DA CONDIÇÃO HUMANA
por Jairo Sanguiné
Uma rápida passada pelos corredores do HPS de Pelotas é o suficiente para quem quer fazer uma radiografia do sistema de saúde pública no Brasil, e também da própria condição humana. Humana? Na sala de espera, um paradoxo. Os futuros pacientes parecem torcer para serem considerados mais doentes do que os demais, pois assim serão atendidos primeiro. Falta espaço para esperar a vez. Muitos estão ali há horas, com fome, extremanente cansados e com muita dor. Dor física. Dor de ser excluído.
Na sala de urgência e emergência, os leitos estão todos ocupados por pessoas que não sabem se continuarão vivas pelo simples fato de que não podem pagar para seguir respirando. “E se chegar mais alguém passando mal?”, perguntamos. “Botamos embaixo da cama”, responde uma das atendentes do local, num tom de voz que deixa transparecer um misto de deboche com nervosismo por saber que não pode fazer nada mesmo.
Nos corredores, mais leitos improvisados com outros seres humanos aguarando uma oportunidade para lutar pela vida. Infecção hospitalar? Bobagem. O atendimento é feito ali mesmo, onde todos transitam e conversam. Mais adiante, na sala de “recuperação” (o nome da sala é irônico), um velho agoniza no chão, numa espécie de maca. “Esse aí está no fim, só estamos esperando pra liberar”, diz o funcionário. No rosto do velho, a expressão de dor, de desespero. Seu último sopro de vida será no chão imundo de um Pronto-Socorro público. A cena é um retrato vivo (ou quase) da própria condição humana, em que todos ali torcem por uma única e miserável chance de permanecer vivo, e para isso, instintivamente torcem para que um leito seja desocupado, nem que seja com a morte de quem está ali, também resistindo na batalha pela vida.