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Um movimento mecânico, aplicável pelo cérebro a um corpo inerte por tempo demais. As costas enrijecem, o ar entra pesado pela boca e enche de vida nova os pulmões enquanto o pescoço se estica pra trás até o limite, deixando o cansaço dos músculos dissiparem, como se fosse nuvem no vento.
A cabeça quebranta e em um único movimento, controlado, lento e calmo, forma um círculo no ar, mandando pra longe as preguiças e dores.
Exatamente nesse momento, por esse movimento, os olhos passam, de relance pelo velho mural cor de rosa, pendurado na parede, ao lado da porta. Em um instante, um micro-segundo de tempo, tenho a impressão (e a certeza de ser só uma impressão!) de que os meus olhos viram outros se mexendo. Impossível...
Então, com rapidez mais do que intensa, olho de novo pra tal foto no mural. Ela está imóvel. Normal, poderia pensar quem não conhece aquela foto...
Mas a guria no retrato não estava daquele jeito. Ai, ai, ai...
Me ergo da cadeira e, beeeeem devagar, sem tirar os olhos do papel de foto, chego perto da parede, do mural. Olho atentamente para aquele eu estático, suspenso no ar por uma pequeno imã de flor alaranjada, e... Surpresa!
Eu, mas o eu da foto, se ergue devagar, acena com carinho, vira as costas e segue um caminho, que na verdade não sei definir onde termina, mas eu sigo caminhando (o eu da foto) até me tornar um pequeno pontinho, na parte mais central do papel... Dei as costas pra mim mesma, resolvi largar aquela vida chata de retrato e seguir um caminho diferente. Pra onde? Nem importa.
Então, de volta a realidade, o eu (eu mesmo! pessoa...) me vejo boquiaberta frente a cena, imaginando de onde veio o “porre” se a noite tinha sido de trabalho... Então, virei as costas pra parede, pro mural e abri uma garrafa de vinho. A música, escolhida a dedo, dizia “Vamos al mar, vamos a dar cuerda a antiguas vitrolas”. Girei na cadeira de trabalho e, com o copo na mão, saí caminhando – passei pela sala, pela porta, pela calçada e segui pela rua, até me tornar nada mais que um pontinho no caminho...
(Meu!)