24 outubro 2006

Cientistas-filósofos...







Em 1942, na cidadezinha costeira de Blue Hill, nos estado do Maine, a figura solitária de uma homem andando pela praia durante a noite, perdido em divagações, deixou em alerta os habitantes daquele pacato refúgio. Seu forte sotaque alemão não representava um problema em uma nação de imigrantes como os EUA, mas com o país em guerra contra as forças do Eixo e a costa americana patrulhada por submarinos alemães a espera de uma presa, seus passeios levantavam no mínimo certa suspeita. Seria aquele homem franzino um militar alemão tentando enviar aos famigerados U-Boote informações acerca do movimento de navios americanos?

A figura solitária estava longe de ser um espião atrás de segredos aliados. As tão necessárias caminhadas eram para Kurt Gödel, o famoso matemático austríaco, momentos preciosos em que, sozinho com seus pensamentos, ele podia perscrutar ainda mais profundamente os segredos da natureza. Quem via seu semblante frágil mal poderia imaginar que aquele era justamente o homem que há anos provocara a maior revolução na Lógica desde os antigos gregos: com apenas 25 anos de idade, provou um teorema cujas conseqüências são tão profundas para o edificio da Matemática - para a computação e para nossas próprias limitações cognitivas como seres humanos, que ainda hoje é motivo de debate entre filósofos e físicos...



O Teorema da Incompleteza...

O teorema que Gödel provou, provocando assim uma verdadeira revolução na lógica formal, estava relacionado a uma hipótese do matemático alemão David Hilbert acerca da "completeza" da Matemática. Uma área da Matemática é dita "completa" se para toda proposição feita for possível dizer se ela é verdadeira ou falsa baseando-se apenas em axiomas daquela área.

Um exemplo: todo número primo, com excessão do 2, é ímpar. A prova é simples: se um número primo fosse par, então ele seria divisível por 2. Sendo assim, não pode ser primo (números primos só são divisíveis por si mesmos e por 1). Portanto, para ser primo ele tem que ser ímpar.

Colocando em uma linguagem simples, Gödel mostrou que, em qualquer ramo da Matemática, sempre haverá proposições cuja veracidade não poderá ser provada usando apenas as regras e axiomas daquele próprio ramo. É possível provar que uma proposição da Geometria é falsa ou verdadeira com novas regras e axiomas trazidos de fora, quer dizer, emprestadas de outro ramo da matemática como a Àlgebra, por exemplo. O que se consegue nesse caso é apenas criar um novo ramo da Matemática chamado "Geometria Analítica", na qual ainda haverá proposições cuja veracidade só poderá ser provada recorrendo a regras de um sistema ainda mais amplo - e assim ad infinitum.



Se substituirmos a palavra matemática por "Sistema Lógico Formal", então teremos uma generalização do Teorema de Gödel para outros ramos do conhecimento.

Na ciência da Computação, isto implica que nunca será possível criar um computador que responda corretamente toda e qualquer pergunta que possa surgir. Na Lingüística, estudiosos usam esse resultado para argumentar sobre o poder da linguagem em criar novas maneiras de expressar novas idéias. Na área da Cognição, pode-se argumentar que nunca uma pessoa será capaz de entender a si mesma. Se a mente é um sistema fechado e tudo aquilo que pode saber sobre si baseia-se naquilo que sua própria mente já sabe, então, essa seria a razão porque nunca conseguiremos entender a mente humana, uma vez que só podemos estudá-la com o auxílio do nosso próprio intelecto. A pergunta, cuja resposta ainda não sabemos, é se o Teorema de Gödel se aplica aos seres humanos...


Silvio Renato Dahmen
Adaptado de Filsofia - n.04 / Ano 1