21 outubro 2006

Para encerrar: Pirandello...




...o que me lembra, para terminar, um outro conto: a novela de Pirandello intitulada "Mundo de Papel". Nela, um leitor, o professor Balicci, fica cego de tanto ler. Ele fica desesperado porque a voz interior dos livros, que passava por sua visão se calou. Imagina então um primeiro subterfúgio, pedir a uma leitora para lhe ler em voz alta, mas o procedimento revela-se um desastre. A moça lê à sua maneira e Balicci não ouve mais a voz de seus livros. Ele ouve uma outra voz, que choca sua audição e sua memória.

Ele pede então a sua leitora que fique quieta e leia em seu lugar. Ela deve ler, para ela mesma, em silêncio, afim de dar nova vida a esse mundo que, desabitado, corre o risco de se tornar inerte. Lendo em lugar de Balicci, a leitora evitará que seus livros morram, abandonados, ignorados. Mas o drama se precipita quando um dia, lendo uma descrição da catedral e do cemitério de Trondheim, na Noruega, a leitora exclama: "Estive lá e não é de modo algum como está no livro!". O professor Balicci, então, tomado de terrível cólera, despede a leitora gritando: "Pouco me importa que você tenha estado lá, do modo como está escrito, é assim que deve ser".

O mundo de papel de Balicci, como o de Dom Quixote, tornara-se o próprio universo. Cego, o professor encontra seu último conforto, ou sua única certeza, no fato de que quando folheia seus livros, que se tornaram ilegíveis, seus textos retornaram na sua memória e, com eles, o universo tal como ele é - ou deve ser!




A aventura do livro (do leitor ao navegador)
Roger Chartier