Então, lá pelos idos de 1927, num dos "interior" do Alagoas, um político-letreiro, de nome Graciliano, é eleito como prefeito. Como costume de época, passa a registrar em relatórios os feitos e desfeitos de sua administração - justificando ao então governador do Estado, Alvaro Paes, como Palmeira dos Índios investia os parcos recursos públicos, advindos do povo.
Essa administração municipal se distingue das tantas milhões de outras (será que alguém já pensou em calcular quantas administrações municipais já existiram no Brasil?!? Quantos prefeitos já passaram pelas sei-lá-quantas-mil cidades brasileiras??) visto ser o seu prefeito, ilustre referencial literário. Tanto que seus relatórios viraram livro - recordações em prosa da quase poética luta política de Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios - AL.
Do seu último relatório, publicado pela Imprensa Oficial de Maceió em 1930, podemos extrair notáveis idéias e constatações - de modo que nosso mundo pode até ter evoluído em algum sentido (há tecnologia, há globalização...), mas algumas coisas... senhores, não mudaram em nada!
Quando relata sobre o aumento de arrecação no município que, em um ano dobrou as cifras públicas, Graciliano comenta:
E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorções que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores.
Não me resolveria, é claro, a pôr em prática no segundo ano de administração a equidade que torna o imposto sustentável. Adotei-a logo no começo. A receita em 1928 cresceu bastante...
Assim, após justificar a arrecadação, Ramos passa a listar as necessidades daquela gente, e os gastos feitos pela Prefeitura:
Pensei em contruir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente (...) Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.
Ao falar de um contrato "estranho" assinado com uma empresa fornecedora de energia elétrica, Graciliano comenta:
Apesar de ser um negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.
Quando passa a refernciar as "Produções", os programas implantados afim de evitar a migração para o sul, melhorar as condições de trabalho e higiene do povo, Graciliano Ramos se defronta com o aspecto "populesco" da política (e do próprio povo!), ao que passa a comentar:
O esforço empregado para dar ao Município o necessário é vivamente combatido por alguns pregoeiros de métodos administrativos originais. Em conformidade com eles, deveríamos proceder sempre com a máxima condescendência, não onerar os camaradas, ser rigoroso apenas com os pobres-diabos sem proteção, diminuir a receita, reduzir as despesas aos vencimentos dos funcionários, que ninguém vive sem comer, deixar esse luxo de obras públicas à Federação, ao Estado ou, em falta deles à Divina Providênica.
Belo programa. Não se faria nada, para não descontentar os amigos: os amigos que pagam, os que administram, os que hão de administrar. Seria ótimo.
Bem comido, bem bebido, o pobre povo sofredor quer escolas, quer luz, quer estradas, quer higiene. É exigente e resmungão. Como ninguém ignora que se não obtém de graça as coisas exigidas, cada um dos membros desta respeitável classe acha que os impostos devem ser pagos pelos outros.
Ao encerrar o relatório, Graciliano passa a descrever outros projetos - essenciais ao município - que não puderam, por força das finanças, serem realizados todos de vez. E, ao final...
Mas para que semear promessas que não sei se darão frutos? Relatarei com pormenores os planos a que me referia quando eles estiverem executados, se isto acontecer. Ficarei, porém, satisfeito se levar ao fim as obras que encetei. É uma pretensão moderada, realizável. Se não realizar, o prejuízo não será grande. O Município, que esperou dois anos, espera mais um. Mete na Prefeitura um sujeito hábil e vinga-se dizendo de mim cobras e lagartos.
É... Será que mudou muito de 1930 prá cá?!
Do livro "Relatórios do prefeito de Palmeira dos Índios"
de Graciliano Ramos - Coleção Brasiliana EntreLivros - Duetto
de Graciliano Ramos - Coleção Brasiliana EntreLivros - Duetto