31 maio 2006

Linguistas e linguagens...




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O fim da linguagem é, assim, duplo e contraditório: comunicação e cerceamento. Leva-nos para fora de nós, mas reentra-nos em nós pela vida de fraternidade e entendimento com aqueles que são nossos iguais ou próximos pelo espírito, pelo passado, pelas emoções comuns, pelo ofício e pelos interesses.


O idioma une um povo adentro de si, mas separa-o dos outros povos. Quanto mais se aprende uma língua, tanto mais se desaprendem e esquecem todas as outras. Falar uma língua, que não é a nossa, é sempre tentar mudar de alma e de aparelho de fonação. Quando se fala bem a nossa língua, com domínio pleno de todos os seus mistérios, com estreita identificação com as experiências nela estratificadas, implicitamente praticamos um ato de guerra passiva contra todos os povos estranhos, porque nos isolamos por detrás de uma forte muralha espiritual, aquela selva das nossas peculiaridades separadoras.

Só têm forte personalidade os povos que sabem expressar essa personalidade com maestria em palavras próprias, palavras fiéis aos aspectos fugentes do seu sentir mais típico e dos seus gostos mais enraizados, desde a cozinha até à etiqueta, através de todos os escaninhos da ética.


O sonho de um latim universal ou “latão”, de um volapuk, de um esperanto, de um “basic english” é uma tendência multitudinária para o empobrecimento do espírito, é a busca ansiosa de uma plataforma, onde se possam encontrar todos os pobres de espírito da Terra, a dizer banalidades estandardizadas.

A arte, a literatura e o pensamento são inseparáveis das palavras, mas palavras vivas e obedientes ao esforço de modelação do escritor e do pensador, palavras fluidas que inflam e minguam, que se bifurcam ou se conjugam, que se nublam de halos deformadores ou se mostram em nudez plena.

A construção do pensamento é inseparável,em todas as suas fases, ainda a mais concretamente experimental e a mais reservadamente meditativa, de uma incessante luta pela expressão.

“Indizível” e “impensável” são quase sinônimos.

Se pudéssemos todos pensar e falar por música, estaria achada a linguagem universal, sem a condição de indigência dos esperantos; e o mundo seria bem mais suportável, porque o diálogo fácil entre os homens de todas as latitudes, todas as raças e todas as religiões traria a paz e o amor."



“Onipresença da Palavra”

Fidelino de Figueiredo